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O papel da escola contemporânea na construção da autonomia de jovens e adultos com deficiência intelectual

Cristina Mascaro

Crédito imagem: Taylor Wilcox.

               

[...] enquanto a escola se torna, cada vez mais, um centro dinâmico de circulação de conhecimento, da produção de saber, da difusão de novas técnicas, da organização cultural, ela cumpre uma tarefa que contempla expectativas da sociedade inteira. [...] O que espera a sociedade da escola? Que prepare seus membros para a vida social e política, para o trabalho, para o desenvolvimento de suas habilidades individuais; que sistematize e organize o conhecimento universal, a produção científica, as conquistas da tecnologia e da cultura mundial [...] A escola não pode ser local de legitimação da marginalidade, mas de sua superação.

Rodrigues, Neidson. Por uma nova escola: o transitório e o permanente na educação

Estamos há duas décadas estruturando nossas escolas na perspectiva da inclusão, mas ainda há um número expressivo de alunos com deficiência intelectual matriculados em diferentes séries/ano de escolaridade nas escolas comuns. Muitos apresentam grande defasagem nos conteúdos exigidos nas suas turmas, e outros vários não estão com seu processo de alfabetização e letramento adequado. E o que acontece, na maioria dos casos, é que não há um investimento em propostas diferenciadas no sentido de proporcionar o avanço escolar deles.

A escola contemporânea requer a busca pela produção de um conhecimento que inclua no seu bojo o estudante com deficiência intelectual, que deve ter acesso ao que a escola propõe para todos e não pode ter seu desenvolvimento acadêmico ignorado. Em nossos sistemas escolares este processo está se materializando por meio de um arcabouço legal, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva,  que visa instituir, além da garantia dos suportes para que a escola funcione na perspectiva inclusiva,  que também se modifique a lente para o olhar sobre quem é a pessoa com deficiência.

Incluir é receber sem condições prévias, pois o ambiente é que precisa ser adequado para dar conta da diversidade da humanidade, para que todos possam usufruir dos seus direitos com dignidade e sem discriminação.  Uma  sociedade  que inclua realmente as pessoas com deficiência intelectual requer de de todos nós a preocupação e o esforço para eliminar as possíveis barreiras ao acesso  a qualquer uma das instâncias da vida: escola, trabalho, vida social, religião, dentre outras. Uma vida independente exige o olhar atento para a relação entre uma escolarização adequada que permita a inclusão social pelo viés do trabalho. O processo de amadurecimento e escolha de uma carreira é  complexo para todas as pessoas, e não é diferente com os jovens com deficiência intelectual. .

A escola tem papel fundamental nesse cenário e precisa promover um trabalho de formação continuada que possibilite uma programação educacional para que o estudante seja atendido em suas necessidades e, assim, possa desenvolver suas potencialidades acadêmicas, sociais e laborais. Suas características se traduzem em barreiras no meio social  que  demandam suportes para que avancem no processo de escolarização,  e não podem ser consideradas impeditivas para seu processo de inclusão social.

Além de tudo, entendemos a escola como o locus de aperfeiçoamento dos docentes que atuam com este aluno; pois, se não há clareza de como ensiná-los, o lugar ideal para se exercer ações com a finalidade de dirimir esse problema é na própria escola.

Na sua maioria, os  sistemas escolares dividem-se em duas abordagens:

  1. estudantes seguem seu grupo referência, de mesma faixa etária, ainda que não tenha  os conhecimentos mínimos para as próximas etapas;

  2. estudantes são mantidos na mesma etapa escolar/ano de escolaridade, sem que se promova a  eliminação das barreiras para o acesso à construção de conhecimento.

Em nenhum dos casos a pessoa com deficiência intelectual é reconhecida pela lente do movimento inclusivo, como uma pessoa que terá suas possibilidades ampliadas na medida em que proporcionamos suportes e condições adequados às suas necessidades, que serão únicas nos diversos campos do conhecimento.

Dediquei-me, em meu mestrado e doutorado, às práticas pedagógicas para o processo de formação profissional e desenvolvimento acadêmico de estudantes com deficiência intelectual. Os resultados apontaram o êxito de um plano educacional individualizado (PEI), tanto como suporte para a prática docente, quanto para o desenvolvimento acadêmico do estudante com deficiência intelectual.  Além da necessidade de treinamento em ambientes reais de trabalho, é fundamental levar em consideração o perfil pessoal e pedagógico de cada aluno,  com propostas individualizadas de acordo com seu histórico e necessidades.

Cabe ressaltar que a proposta pedagógica embasada em atividades personalizadas para demanda de um aluno com deficiência intelectual vai ao encontro do modelo de funcionamento humano proposto pela AAIDD (2012), segundo a qual o sujeito terá melhor condições de desenvolvimento conforme os apoios que receber em diferentes áreas de sua vida. No caso do processo de escolarização, o trabalho com o PEI proporciona o planejamento de apoios conforme as necessidades do aluno com deficiência intelectual.

Acompanhamos uma estudante com deficiência intelectual, de 11 anos, cursando o segundo ano em uma escola de Ensino Fundamental da Fundação de Apoio a Escola Técnica - AETEC. Ela ingressou na Escola Especial da FAETEC dois anos antes, mas foi matriculada no fundamental após sugestão da equipe da própria escola. No primeiro ano ela já contava com o apoio de uma professora de Educação Especial atuando de forma compartilhada com a professora da turma.

No segundo ano iniciou sua participação em minha pesquisa. Ela foi promovida mesmo com pouco desenvolvimento nas habilidades de escrita e leitura, conceitos elementares (ver as horas, dias da semana, saber sua idade), e defasagem em conhecimentos básicos de raciocínio lógico-matemático. Passou a frequentar a sala de recursos da escola, no turno inverso da escolarização, com aplicação do PEI três vezes por semana.

Ao longo do ano, a estudante teve avanços acadêmicos em todas as esferas, mensurados pelo protocolo de acompanhamento das atividades do seu PEI. A individualização dos objetivos e das atividades, que eram planejadas tendo por base a avaliação contínua do seu desenvolvimento nas tarefas, foi fundamental. O PEI priorizou atividades relacionadas a números e quantidades, solução de problemas, reconhecimento de cor, forma, tamanho e lateralidade, operações matemáticas simples e construção do pensamento lógico. E também buscou desenvolver habilidades de comunicação oral, para melhorar sua interação com colegas e professores, e  sua participação nas aulas sala de aula, sempre com a mediação da professora. No caso de nossa aluna com deficiência intelectual, esta habilidade foi impulsionadora do seu desenvolvimento escolar.

A proposta de ensino individualizada através da aplicação do PEI, teve por finalidade favorecer o processo de aprendizagem e inclusão escolar da aluna. Ao final do ano de 2015, a estudante ainda não dominava o código escrito e os cálculos elementares, mas foi promovida para o terceiro ano, tendo como fio condutor um replanejamento das ações do PEI para o ano letivo de 2016. Desta forma continuaria incluída com os colegas de turma que a acompanhavam desde o primeiro ano, tendo o suporte de acordo com suas necessidades.

E o professor? O atendimento às demandas oriundas da presença do aluno com deficiência intelectual na escola implica em mudança na metodologia utilizada pelos professores, pois precisamos repensar o contexto atual de ensinar em uma turma onde há alunos que aprendem em diferentes ritmos e estilos. A formação contemporânea de professores para atuar no paradigma inclusivo requer ações focais nas demandas que enfrentam no seu cotidiano, ao lidarem com alunos que apresentam deficiência intelectual. Neste contexto, é importante ressaltar a necessidade de um trabalho colaborativo para que possamos ter uma escola com atenção  às especificidades dos seus estudantes, se preocupando para que não se transformem em barreiras.

O PEI é uma proposta de trabalho colaborativo que vai requerer o Plano Individual de Transição (REDIG, 2019) para o planejamento de ações  que preparem o jovem com deficiência intelectual para o momento pós-escola. A escola precisa ser um locus para criação de oportunidades de transição para a vida adulta do aluno com deficiência intelectual com base no suporte para suas necessidades específicas e ações de impulsionamento de suas potencialidades.

Dentro destas possibilidades, o jovem poderá escolher com será a sua vida adulta independente. A inclusão escolar não traz respostas prontas para o futuro do jovem com deficiência intelectual, ela torna possível a escolha e o suporte para que a autonomia seja real para este público.


Cristina Mascaro

Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), do Departamento de Educação Inclusiva e Continuada.

 

Quer saber mais?

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf politica.pdf.

Decreto Nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7611.htm

Revista Educação Especial, 2019. Caminhos formativos no contexto inclusivo para estudantes com deficiência e outras condições atípicas, de Annie Gomes Redig

Por uma nova escola: o transitório e o permanente na educação, de Neidson Rodrigues.

MASCARO, C. A. A. de C. O atendimento pedagógico na sala de recursos sob o viés do plano educacional individualizado para o aluno com deficiência intelectual: um estudo de caso. 2017. 152 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017

 


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